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Redemption

Muito sobre nada! Ou nada sobre muito! Depende sempre da perspectiva de quem lê!!!!

Redemption

Muito sobre nada! Ou nada sobre muito! Depende sempre da perspectiva de quem lê!!!!

Uma lição de esperança...imperdível!

Me, myself and I, 24.02.17

Sou fã da página de face do Luís Osório.

Sigo sempre com interesse os textos e as suas opiniões.

Desta vez colocou na sua página um texto de Inês Thomas Almeida.

Depois de o ler pensei...tenho que o divulgar...tenho essa obrigação.

Não conhecia a Inês mas ao ler este seu relato sobre um período negro da sua existência ela conseguiu que eu me aproxima-se dela e da sua vida. É um relato honesto, direto e sincero sobre a sua luta contra a depressão.

Não há como uma pessoa não se sentir tocada por ele e principalmente não se sentir motivada para enfrentar as pequenas agruras que nos vão aparecendo pelo caminho!

Há cerca de dois anos enchi uma banheira com água e fui despedir-me dos meus filhos. O meu marido só chegaria daí a duas horas por isso tinha tempo. Sabia tim tim por tim tim como seria. As lâminas há muito compradas, guardadas para a sua entrada triunfal. A porta fechada para que não fossem os meus filhos a encontrar-me. Só faltava assegurar-me que guardariam com eles a mensagem principal: que eu os amava e que não era culpa deles.
Sentei-os no sofá em frente à televisão e fi-los repetir duas vezes comigo: a mamã gosta muito de mim e aconteça o que acontecer não é culpa minha. O meu filho mais pequeno, então com dois anos, repetiu mecanicamente e continuou a ver os desenhos animados. Desejei ardentemente que não se lembrasse de mim quando crescesse. O meu filho mais velho, de quatro anos, começou a repetir e de repente parou e perguntou: Mamã, estiveste a cortar cebola?

Só me lembro de sair da sala cambaleante, desarmada por aquela ingenuidade imaculada e certeira, e de começar a hiperventilar. Depois não sei o que aconteceu. Duas horas mais tarde, quando o meu marido chegou a casa, os meninos informaram-no que a mamã estava a dormir no chão da cozinha.

Seguiu-se um processo moroso e doloroso de recuperação, internamento, tratamento psicoterapêutico, tanto em Berlim, onde vivia, como em Lisboa, onde tinha a minha família. Contei com o apoio incondicional da minha família, do meu marido, e da minha psicoterapeuta que literalmente me salvou a vida. Não foi fácil. Recordo-me estar a sentir-me muito melhor, e no entanto cada vez que olhava para uma faca pensar inevitavelmente se a lâmina seria suficientemente afiada. Lavava a louça e pensava se seria mais eficaz os pulsos ou a garganta. E que não me podia esquecer de comprar aquele amolador, porque o mais desagradável de tudo é querer fazer um corte e a faca estar romba. Na altura comecei a pintar, e todos os meus quadros falam sobre isto.

Passado alguns meses, a nuvem onde eu estava dissipou-se, o torpor deu lugar a energia, a escuridão à clareza e passo a passo fui encontrando o meu caminho.

Deixei Berlim, regressei a Portugal e inscrevi-me num Doutoramento. Ganhei uma bolsa de estudo, tive e tenho um prazer imenso em frequentar as aulas, em escrever artigos, em investigar coisas que há muito me ocupavam a mente mas que sempre tivera de relegar para segundo plano. Organizei a minha vida por forma aos meus interesses serem o cerne das minhas tarefas diárias e as minhas motivações o motor esperado do meu trabalho. Fiz novos amigos e novos circuitos, criei uma série de Tertúlias em minha casa que me proporcionaram momentos deliciosos e uma nova rede de amizades. Saboreio os momentos com os meus filhos, emociono-me diariamente quando os vejo a brincar despreocupados. Passo os dias a investigar gentes de outros tempos e os meus próprios antepassados, descobrindo histórias e circuitos que diariamente me enternecem e emocionam. É como se do lado de lá me dessem força para continuar, e me sussurrassem baixinho que está tudo bem.

Aprendi duas grandes lições: a primeira, a da fragilidade. Estamos todos, não apenas eu, por um fio. Eu, que fui sempre louvada por brilhante aluna, profissional de mão cheia, extrovertida e comunicativa, que passei a minha vida a acumular prémios e distinções, que nunca teria acreditado se há dez anos me tivessem falado em depressão, num momento da minha vida perdi-me afinal como Dante numa selva escura. Consegui sair porque tive ajuda. Não me vou esquecer disso nunca.

A segunda lição, é paradoxalmente a da força. É bem verdade o que dizem, quando olhas para o abismo o abismo olha para ti. O abismo olhou-me nos olhos e até o fim dos meus dias sei que saberá onde eu estou. Mas também eu o olhei de frente – e venci. Sei hoje dos seus pontos fracos, conheço-o por dentro e por fora, meto-o no bolso e sei que não levará a melhor.

Além disso, duas lições adicionais, não menos importantes: empatia e informação. A da empatia traduz-se em não julgar, nunca. Todas as pessoas que vemos, estão ou podem estar a passar por lutas das quais nós não sabemos rigorosamente nada. No auge da minha depressão, eu estava a fazer discursos em jantares com empresários em Berlim e a participar alegremente em provas de vinhos. Era uma pessoa querida e acarinhada na comunidade e em constante exposição. Uma noite em frente ao espelho peguei numa tesoura e comecei a cortar o cabelo furiosamente, lavada em lágrimas. Cortei o cabelo para não me cortar a mim própria. No dia seguinte, fiz um discurso num jantar inaugural de um networking que tinha criado em Berlim. Toda a gente elogiou o meu cabelo. Tenho fotos desse jantar, estou a falar muito direita, arranjada e elegante. Do que se passa dentro das pessoas, ninguém sabe. Sou incapaz de julgar alguém, e na dúvida ofereço sempre a empatia. Sabemos lá nós da cruz que cada um carrega.

Mas a lição maior de todas, a da informação, é a razão que me leva a escrever este texto (correndo o risco de desencadear com isto uma série de reacções de pena ou negativas de qualquer forma, mas que sinceramente me são hoje completamente indiferentes): A depressão é uma doença, que deve ser levada a sério. É uma doença que mata.
Não é uma tristeza. Não é uma mania de quem tem o estômago cheio e mais nada para fazer. Não é uma tentativa egocêntrica de chamar a atenção. É uma doença que tolhe o corpo, a vontade, o raciocínio, que nos faz pensar as coisas mais absurdas como se fossem evidências. Urge informar sobre a depressão, e levar esta doença a sério. Isso pode fazer toda a diferença.

Para ajudar uma pessoa com depressão, NÃO serve lembrá-la que tem imensa sorte e que há gente sofre muito mais (saber que há gente a morrer no mundo só faz ficar pior, do género “eu que não estou a morrer e no entanto sofro tanto à mesma, só posso ser uma pessoa má”). NÃO serve tentar animá-la com passeios e distracções (acabado o passeio, em casa à noite volta a apatia, o choro, a impossibilidade de comunicação; e nem todos os passeios do mundo os vão mandar embora).
Para ajudar uma pessoa com depressão SÓ SERVE convencê-la a procurar um psicoterapeuta. A ajuda especializada é a ÚNICA maneira de se lidar com uma depressão grave. Insisto na depressão grave, que é bem diferente de se estar muito triste, mesmo muito muito muito triste (essa tristeza sim, é a que passa com passeios; nunca a depressão).

Se houver alguém com depressão que me esteja a ler: saiba que é possível sair. Procurem ajuda. Não se deixem intimidar pelo discurso de que só vai ao psicoterapeuta quem é maluquinho. Quando nos dói um dente vamos ao dentista, quando por uma série de razões os pensamentos se emaranham temos de ir ao médico também. Ter ou ter tido uma depressão não é, não deveria ser, um estigma. É por isso que dou a cara e escrevo estas linhas.

Quase dois anos depois, posso dizer que estou feliz. Melhor: que sou uma pessoa feliz. Faço o que gosto, amo a minha família, sinto-me no auge das minhas (parcas) capacidades intelectuais e tenho mil projectos para fazer. Da depressão que tive, ficou-me o muito que aprendi. Graças a ela, conheço-me muito melhor e agora a minha fragilidade caminha lado a lado com a minha força.
De mãos dadas.

Inês Thomas Almeida

Em exclusivo para os seguidores da página de  Luís Osório.

 

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